Federer e Djokovic – a raça humana agradece
05 de Fevereiro de 2024

Federer e Djokovic – a raça humana agradece

Sou um apaixonado pela raça humana. Talvez, diante das barbaridades perpetradas em sua existência, eu seja, na verdade, um apaixonado pelas potencialidades humanas. Declino-me em reverência quando presencio demonstrações de virtuose como a de ontem (14) protagonizadas pelos tenistas Roger Federer e Novak Djokovic em Wimbledon.
 
Um jogo de quase cinco horas de duração entre dois dos maiores representantes do que o esporte pode proporcionar de melhor em sua essência obrigou-me a me revezar entre tarefas e pequenos prazeres corriqueiros do domingo e a tela da TV. Foram 67 games e três tiebreakers do mais alto nível técnico, da mais equilibrada disputa e daquela que talvez seja a mais cativante das características do esporte competitivo: a imprevisibilidade.

Federer esteve claramente perto de conquistar mais um título nas gramas inglesas por duas vezes, uma no quarto set e outra no quinto. Esta última, com duas chances seguidas e com a posse do saque. Bastava pensar que ali estava um dos maiores de todos os tempos, batendo a bolinha contra o chão com sua raquete, para imaginar que numa ou noutra tentativa a vitória viria. Mas do outro lado da rede estava (por mais que a expectativa em cima do suíço fizesse-nos esquecer deste detalhe) outro fenômeno. Em quatro ações perfeitas, Djoko devolveu a quebra de serviço e voltou ao jogo, ou melhor, apenas mostrou que sempre esteve nele.

O tempo passava e eu pensava: vão começar a se cansar e os erros vão aumentar, o jogo vai ficar feio tecnicamente e um deles vai acabar por entregar mais facilmente para o adversário a vitória. Qual o quê! Quanto mais o relógio rodava, mais a emoção tomava conta do público contido do tênis, mais as pessoas levantavam-se para vibrar com os pontos, mais os dois tenistas se superavam. Pontos que se alternavam em igual beleza, dificuldade, plástica e impossibilidade.

A raça humana se sublimava na excelência técnica de ambos, era como se a humanidade ali representada por dois de seus membros se reencontrasse com seu potencial evolutivo. Diante da carga emocional, do desgaste físico e cognitivo impostos pelo tempo e pela exigência de ações altamente precisas subsequentes e intensas, o ser humano superava seus limites e parecia mostrar que tudo é possível a quem se dedica tão intensamente a fazer algo.

Diante da grandeza do adversário, ambos sabiam que a quadra precisava ser reduzida e assim, as bolas estalavam nas linhas ou junto delas, morriam cheias de malícia junto à rede e tomavam efeitos incríveis que de pouco adiantavam diante da capacidade do outro de reverter a magia imediatamente no golpe seguinte.

Foi uma batalha real, entre humanos, por isso emocionante. O desempenho de Federer, que contava com a torcida da maioria – e minha também – foi quase perfeito, não fosse ele humano. A essência do termo corporeidade está justamente em entender o corpo humano em sua totalidade, em que todas as suas dimensões se acham conectadas e interdependentes. Não é possível colocar a engrenagem motora em ação sem desprezar a dimensão emocional ou a cognitiva ou a social, todas elas que se confundem e se embaralham quando se vai sacar para ganhar um título, ainda que estejamos falando de um Federer – ou de um Djokovic.

Foi o ser humano Roger que nos colocou de volta ao universo da falibilidade, da ansiedade e da afobação no momento em que esteve tão perto de fechar o jogo. Foi ele que nos mostrou, em sua essência humana, que talvez erremos e nos precipitemos quando nos damos conta que talvez aquela seja a última chance, pois a finitude é algo que transcende a maravilha (e talvez por isso, maravilhosa vida) de sermos humanos.

Num momento como este em que vivemos é mais que nunca preciso acreditar na raça humana e na sua capacidade de evolução.
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